Desde 26 de Agosto de 2006 que o Norte do Uganda mudou. 20
anos depois do in�cio de um terr�vel conflito que devastou todos
os distritos na parte setentrional do Uganda e que subverteu a vida
de milhares de crian�as e de jovens, no
passado dia 26 de Agosto, foi assinado em Juba, capital do Sul do
Sud�o, uma acordo para o fim das hostilidades entre o Governo do
Uganda e o Lord Resistence Army. Trata-se de um acordo ainda fr�gil,
mas � a primeira concreta esperan�a de paz para o Pa�s, obtida
tamb�m gra�as ao trabalho que v� a Comunidade de Santo Eg�dio
empenhada h� meses nos Juba Peace Talks como sustento ao mediador
oficial: o Governo do Sul do Sud�o. Do acordo para a cessa��o das
hostilidades, resultou uma tr�gua que silenciosamente eliminou a
viol�ncia das cidades e das aldeias. A mudan�a � vis�vel atrav�s
da conversa das pessoas e do pr�prio rosto das mesmas.
Est�-se
mais alegres, sente-se mais seguros, a vida pode voltar a ser normal.
Um exemplo indicativo � a seguran�a das viagens, nas desloca��es
que fazem parte da vida destas popula��es. As poucas estradas que
atravessam o Uganda do Norte, h� anos tristemente conhecidas pela
perigosidade, hoje parecem seguras. Viajar representou durante
muitos anos uma das maiores amea�as. Partia-se com a ang�stia de
ser atacados ao longo do caminho por grupos de rebeldes escondidos
no bush,
de se ser assaltado e raptado. Uma das estradas mais perigosas era a
que partindo de Gulu e atravessando o territ�rio que se estende
para oeste do Nilo chega at� ao Sud�o. Os rebeldes percorriam-na
muitas vezes para chegar at� ao Sul do Sud�o. S� h� dois anos
atr�s houve uma cruel carnificina numa aldeia situada a poucos
metros antes da estrada atravessar Adjumani, a capital do hom�nimo
distrito. Numerosos foram os epis�dios de emboscadas e de mortes
que levaram o Governo a impedir a qualquer ve�culo ou pessoa de
percorrer aquela estrada sem uma escolta militar. H� v�rios meses
que a escolta j� n�o � necess�ria e o tr�fico nas estradas
retomou com bastante intensidade. Numerosos s�o os carros e os cami�es
que de Gulu partem para Juba e vice-versa. A Juba Road (que de Gulu
leva para o Sul do Sud�o) que ficou bloqueada durante anos � agora
percorrida por autocarros, carros, homens, mulheres e crian�as que
viajam a p� e cami�es que transportam mercadorias e alimentos.
Viajar � o sinal mais evidente da retomada da normalidade. E tamb�m
n�s aproveit�mos desta nova situa��o para visitar as crian�as
adoptadas � dist�ncia em zonas dantes inacess�veis para os
ocidentais.
As crian�as de Gulu
Em Gulu, o n�mero de crian�as que se desloca das aldeias � noite
para alcan�ar o centro da cidade, para procurar um tecto para passar
a noite, diminuiu bastante. Durante anos, assistia-se, todas as noites,
ao �xodo de centenas de crian�as, as chamadas night commuters. Tamb�m no ocidente houve uma onda de como��o
perante as imagens destas crian�as, falou-se bastante delas, apesar
de muitas vezes de um modo resignado e impotente. Muitas crian�as
passaram os �ltimos seis ou sete anos e, portanto, a pr�pria inf�ncia,
como crian�as pendulares na noite. A maior parte delas � �rf�
devido � guerra e � SIDA. N�o t�m ningu�m sen�o os chamados guardians,
isto �, parentes ou vizinhos de casa que lhes oferecem alguma coisa
para comer, se houver, e um lugar onde dormir, muitas vezes em troca
de trabalhos mais ou menos pesados. A escola n�o � um direito deles. Nos �ltimos meses, o n�mero de night
commuters diminuiu notavelmente, apesar de permanecer o problema
dos muitos �rf�os que j� n�o est�o amea�ados pelos rebeldes, mas
que vivem num estado de abandono e com um futuro incerto. Um outro
fruto importante dos Juba Peace Talks verificou-se na
vida das milhares de pessoas obrigadas a viver nos campos de
desalojados. Depois de terem vivido anos sem a possibilidade de
cultivarem ou de criarem animais, amontoados em cabanas, fazendo horas
de fila para a �gua ou para a comida distribu�dos pelas ag�ncias
internacionais, com a constante amea�a de serem atacados � noite,
agora, os habitantes dos campos de desalojados est�o a regressar para
as pr�prias aldeias de origem para refazerem uma pr�pria vida. Agora
� poss�vel regressar porque a regi�o � mais segura.
As adop��es � dist�ncia em Gulu
Desde 2004 que as adop��es � dist�ncia foram uma resposta a esta situa��o
dolorosa provocada pela guerra, � vida de muitas crian�as. Muitas
crian�as night commuters
foram adoptadas � dist�ncia pela Comunidade para as apoiar no
drama vivido pelo Norte do Uganda nos �ltimos vinte anos. Com as
adop��es chegaram muitas respostas: antes de mais, a escola,
depois as refei��es regulares e nutrientes, camas verdadeiras,
roupas limpas e medicamentos quando servem. Al�m disso, a promessa
e o empenho de uma ajuda para toda a vida. Entre as muitas crian�as
encontradas, Edwin (todos os nomes s�o de fantasia) de 9 anos,
agradeceu-nos e mostrou com orgulho as suas notas que s�o as
melhores da sua turma. Daniel, 5 anos, adoptado quando tinha dois e
era uma crian�a com um olhar triste, muitas vezes doente devido aos
problemas ligados � malnutri��o, hoje j� est� grande, est� bem,
engordou e vai para o jardim infant�rio todos os dias. Stella, de
11 anos, mostra o seu vestido novo que uma sua amiga italiana lhe
enviou juntamente com uma carta. Charles e a irm� Mary brincam
alegres enquanto tiram fotografias para enviar �s fam�lias que os
adoptaram. Charles frequenta a segunda classe da escola prim�ria e
est� a aprender o ingl�s. Juntamente com a m�e e Mary fugiu de
uma regi�o do oeste devido � guerra. Paul, de 15 anos, jovem crian�a-soldado,
que viu os pais morrerem na guerra, j� frequenta o liceu, fala bem
o ingl�s, veste-se muito bem, e pede com afecto, not�cias da sua
�fam�lia italiana�. Martin, 11 anos, que agora j� n�o precisa
de dormir no instituto que acolhe os night commuters, veio, porque soube que lhe cabia um par de
sapatos e uma nova farda para a escola. Por volta das sete horas da
tarde, as crian�as chegaram aos poucos. H� algumas crian�as novas.
Come-se com gosto, arroz e frango. Depois, seguiu-se uma festa com
bailes e cantos antes de irem dormir. Acorda-se cedo de manh� para
tomar o pequeno-almo�o e chegar � escola pontuais. Algumas das
crian�as adoptadas h� anos, j� est�o a terminar a escola prim�ria
e isto � uma meta importante, sobretudo para as raparigas.
As adop��es � dist�ncia no West Nile
As
adop��es � dist�ncia chegaram tamb�m a um orfanato num pequeno
centro da regi�o do West Nile, uma zona do Norte, menos conhecida
de Gulu, mas que viveu os mesmos problemas desde o in�cio da
guerra. A capital � Moyo. Para alcan��-la � necess�rio
percorrer a Juba Road e atravessar um breve mas lind�ssimo tro�o
do Nilo. Com a guerra, era quase imposs�vel chegar a Moyo.
No orfanato da
aldeia h� muitas crian�as lindas, refugiados do Sul do Sud�o (o
confim est� muito perto) e muitas outras provenientes das aldeias
vizinhas. No orfanato, h� uma parte reservada �s crian�as da
escola prim�ria, entre as quais se encontram trinta adoptadas pela
Comunidade. Num outro lado da estrutura s�o acolhidas crian�as dos
0 aos cinco anos, cerca de cinquenta e em breve, come�aremos a ajud�-las
com as adop��es h� dist�ncia. Em Moyo, contrariamente a Gulu, n�o
h� sedes de ONG ou de ag�ncias internacionais. A popula��o do
West Nile n�o est� inclu�da nos projectos de ajuda da coopera��o
ou de outras organiza��es bastante activas no resto do Norte do
Uganda. S� uma fiel e �antiga� presen�a dos mission�rios
combonianos faz excep��o. Uma das poucas e incompreens�veis
marcas de uma presen�a internacional � um tro�o de estrada (menos
de um quil�metro), que ficou incompleta e abandonada, alcatroada h�
poucos meses por uma empresa chinesa. Agora tamb�m Moyo se tornou
facilmente acess�vel. As crian�as acolheram-nos com alegria,
mostrando com orgulho o pr�prio cart�o que certifica a inscri��o
ao programa de adop��o � dist�ncia da Comunidade de Santo Eg�dio.
Nos cantos, numerosas foram as ora��es e os votos de felicidade
como agradecimento pelo trabalho da Comunidade. Foi uma festa onde
as crian�as foram os protagonistas.
A
presen�a
da Comunidade de Santo Eg�dio assegura um espa�o onde as crian�as
s�o ajudadas, postas no centro das aten��es, respeitadas e
tratadas com dignidade. Tamb�m as adop��es � dist�ncia veiculam
esta aten��o em prol das crian�as, numa sociedade onde a guerra
gerou muitos �rf�os e raptou muitas crian�as para serem
transformadas em soldado. A aten��o pessoal dedicada a cada crian�a,
as preocupa��es �exigentes� sobre a sa�de e sobre a vida de
cada crian�a, ajuda muitos a olharem para elas de um modo diferente.
As adop��es � dist�ncia representam para todos o sinal e a
surpresa de que aquela terra perif�rica n�o est� abandonada nem
esquecida. Fala-se muito nas negocia��es de paz e com grandes
esperan�as. V�-se o mundo � roda mudar e tornar menos amea�ador.
Na verdade, para muitas crian�as do Norte do Uganda acendeu-se uma
concreta esperan�a de crescer num futuro de paz.
Rosa
Sarracini |